Afinal, o nazismo foi ou não foi um movimento de esquerda?
Antes de cair matando nos comentários respire fundo e leia com atenção os argumentos que põem essa relação em perspectiva.
Em tempos de pós-verdade, em que até os fatos históricos podem ser distorcidos, uma discussão estranha deu as caras nas redes sociais nos últimos meses: seria o nazismo um movimento de esquerda?
Há quem afirme que sim, que Hitler tinha uma ideologia voltada ao socialismo, apesar de todas as evidências que mostram o contrário.
Quem sustenta a tese de que o nazismo era de esquerda parte de dois pressupostos principais: a palavra “socialista” no nome do partido nazista e a estatização da propriedade privada.
Mas será que isso é o bastante para ser considerado um movimento de esquerda? Veja a seguir algumas respostas para as principais perguntas que rondam o tema:
1. A ESSÊNCIA DO NAZISMO ERA SOCIALISTA?
Não, não era. Inclusive, quando surgiu, o nazismo fazia oposição ferrenha ao governo socialista que havia se instalado na União Soviética depois da revolução de 1917.
No entanto, o partido de Hitler também fazia oposição ao capitalismo ultraliberal vigente na maior parte do mundo na época.
O nazismo nasceu como uma espécie de terceira via. Só que a proposta de governo de Hitler era, na verdade, bastante confusa.
Ele defendia, por exemplo, que bens privados fossem apropriados pelo governo – mas somente os bens de judeus e outras pessoas consideradas “indesejadas”.
O lucro e a propriedade privada estavam liberados para os alemães “puros”.
2. SE NÃO ERA DE ESQUERDA, POR QUE ENTÃO O PARTIDO SE CHAMAVA ‘NACIONAL-SOCIALISTA’?
Um dos pontos mais debatidos da ideia de que o nazismo foi um movimento de esquerda é a palavra “socialista” no nome do partido.
Num pensamento simplista, se há o termo "socialista" é de esquerda, certo?
Para matar essa charada, basta conhecer o cenário geral e se atentar ao termo “nacional” em vez do “socialista”.
O partido nazista estava fortemente ligado à ideia de supremacia branca, de uma Alemanha para alemães arianos, de uma nação em que só os escolhidos poderiam usufruir das benesses políticas e sociais. Não havia nada verdadeiramente de esquerda ali.
3. O NAZISMO TAMBÉM PREGAVA GRANDE INTERFERÊNCIA DO ESTADO NA ECONOMIA. ISSO NÃO É DE ESQUERDA?
Sim, o nazismo pregava, na teoria, que houvesse mais igualdade e distribuição de riquezas, mas somente entre o povo alemão “puro”. Judeus, estrangeiros, ciganos e gays, por exemplo, estavam de fora. O estado deveria interferir na economia para garantir justiça apenas aos favorecidos pelo regime.
Só que durante o nazismo, curiosamente, quem mais lucrou na Alemanha foram as empresas privadas do setor bélico e de extermínio. Sindicatos foram extintos e os setores mais ricos da sociedade passaram a ser privilegiados.
4. AH, MAS E QUANTO AOS REGIMES SOCIALISTAS TOTALITÁRIOS?
O totalitarismo não escolhe lado. Pode ser de esquerda, pode ser de direita. O fato é que o nazismo foi um regime totalitário e o comunismo em alguns países, como na extinta União Soviética, também foi.
Eles tinham em comum a perseguição política, a presença extensiva da propaganda governamental e o controle total da vida pública e privada dos cidadãos. Mas isso diz respeito ao totalitarismo e não ao fato de serem de esquerda ou direita.
Além disso, o nazismo criou uma ideia falsamente científica de que era preciso purificar a raça, o que significava se livrar de judeus, homossexuais, ciganos, estrangeiros, testemunhas de Jeová, negros, socialistas, entre outros grupos. Por ser pautado por pretextos xenofóbicos, homofóbicos e racistas, trata-se indubitavelmente de um movimento de extrema direita.
AINDA TEM DÚVIDAS? ENTÃO DÊ UMA LIDA NOS DISCURSOS DE HITLER
Existem diversas transcrições dos discursos de Hitler disponíveis na internet. O leitor interessado em matar a charada do esquerda-direita vai perceber que na maioria deles há uma crítica pesada ao regime socialista e às ideias marxistas.
O discurso nacional-socialista que tomou conta da Alemanha nazista apontava, inclusive, os judeus como criadores tanto do marxismo (esquerda) como do ultraliberalismo (direita) – ou seja: para florescerem socialmente, os arianos precisavam estar livres das duas ameaças. As consequências desse pensamento você já conhece.
Fonte: BBC
Imagem: Wikipedia Commons/Montagem