Abdias do Nascimento, um dos maiores expoentes da cultura negra e dos direitos humanos no Brasil e no mundo, morreu em 23 de maio de 2011, no Rio de Janeiro, aos 97 anos. Durante sua vida, ele se destacou como ator, poeta, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário e político. Entre seu vasto legado está a criação de entidades pioneiras como o Teatro Experimental do Negro (TEN), o Museu da Arte Negra (MAN) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO). Por suas atividades, foi oficialmente indicado ao Prêmio Nobel da Paz de 2010.
Luta contra o racismo
Abdias do Nascimento nasceu em Franca, no interior de São Paulo, em 1914. Filho de Georgina Ferreira do Nascimento, doceira e ama de leite, e de José Ferreira do Nascimento, sapateiro e violonista, ele era neto de mulheres escravizadas. Sua família era tão pobre que, mesmo sendo filho de sapateiro, passou a infância descalço. Trabalhou desde os nove anos de idade, entregando leite e carne nas casas dos moradores mais ricos da cidade. Completou o segundo grau, com diploma em contabilidade, em 1928.
Em 1929, após se alistar no Exército, Abdias saiu de Franca e foi para São Paulo, onde participou da Frente Negra Brasileira (FNB) na década de 1930. Em 1936 Abdias desligou-se definitivamente do Serviço Militar, instituição com a qual estava em crise desde que começara a militar com o movimento negro. Ao sair do exército, passou a ser ferozmente perseguido pela polícia de São Paulo em razão de sua atuação na FNB. Resolve então partir para o Rio de Janeiro naquele mesmo ano de 1936.
No Rio de Janeiro, Abdias chegou a fazer parte da Ação Integralista Brasileira, partido inspirado no fascismo italiano. "As lutas nacionalistas e antiimperialistas, a oposição ao capitalismo e à burguesia, foram os temas que me atraíram para as fileiras integralistas. (...) Logo que percebi, concretamente, o racismo dentro do integralismo, me desliguei definitivamente desse movimento político", afirmou ele.
Em 1938, Abdias se formou em Economia pela Universidade do Rio de Janeiro. De 1939 a 1941, ele viajou pela América do Sul com um grupo de poetas batizado de "Santa Hermandad Orquídea", ou "Santa Irmandade da Orquídea". No Teatro Municipal de Lima, no Peru, eles assistiram a uma apresentação da peça The Emperor Jones, de Eugene O'Neill, com um ator branco com o rosto pintado de preto interpretando o papel principal. Ali mesmo, ele teve a ideia de criar um teatro negro no Brasil para lutar contra o racismo. Na Argentina, passou um ano no "Teatro del Pueblo" (Teatro do Povo) em Buenos Aires, onde aprendeu os aspectos técnicos e performáticos do teatro.
De volta a São Paulo, Abdias foi condenado à revelia por insubordinação militar ao resistir à discriminação racial durante seu período no Exército. Ele ficou preso na Penitenciária do Carandiru durante dois anos. Lá, fundou em 1943 o Teatro do Sentenciado, cujos integrantes, todos prisioneiros, criavam, ensaiavam e apresentavam seus próprios espetáculos teatrais. Além disso, ele também ajudou a fundar o jornal dos prisioneiros.
Depois de ser solto, Abdias mudou-se para o Rio de Janeiro, onde fundou o Teatro Experimental do Negro (TEN) em 1944. O TEN estreou em 8 de maio de 1945, com uma produção de The Emperor Jones, de O'Neill, surpreendendo os críticos céticos com uma apresentação aclamada por sua eficácia técnica e dramática. Com intensa atuação na produção teatral, o TEN também foi responsável por iniciativas estelares no ativismo negro, como a Convenção Nacional do Negro Brasileiro (1945-1946), a Conferência Nacional do Negro (1949) e o 1º Congresso do Negro Brasileiro (1950).
Com o endurecimento do regime militar, Abdias exilou-se no exterior entre 1968 e 1983. Com isso, o TEN foi dissolvido e ele se afasta do teatro, conduzindo sua militância política por outros caminhos. Nessa época, Abdias foi professor emérito na Universidade Estadual de Nova Iorque em Buffalo, campus de Buffalo, onde, durante seu exílio do regime militar, ele foi professor titular por dez anos. Nascimento atuou como professor visitante na Escola de Artes Dramáticas da Universidade Yale. Convidado pelo Fórum das Humanidades da Universidade Wesleyan, também nos Estados Unidos, ele participou na condição de professor visitante, com alguns dos mais destacados intelectuais da época, do Seminário "A Humanidade em Revolta". Foi professor convidado do Departamento de Línguas e Literaturas Africanas da Universidade de Ifé, em Ifé, Nigéria.
O percurso político de Abdias Nascimento o inseriu entre os principais defensores dos direitos humanos no Brasil. Foi reconhecido internacionalmente como uma liderança ao pautar os temas das culturas afro-brasileira e afro diaspórica nas Américas e no mundo.
De volta ao Brasil, Abdias teve uma relevante carreira político-institucional, tendo sido deputado federal, entre 1983 e 1987, e senador da República, entre 1997 e 1999. Seus mandatos no Congresso Nacional estiveram a serviço do combate às desigualdades e da luta por um amplo conhecimento das culturas africana e afro-brasileira.
Em 1983, o parlamentar foi autor do projeto de lei que visava a implantação do princípio da isonomia social de negros em relação aos demais segmentos da população do Brasil. Abdias morreu em 23 de maio de 2011, aos 97 anos, devido a uma insuficiência cardíaca.