Chernobyl: Brasil importou e comercializou alimentos contaminados por radiação
A usina nuclear de Chernobyl, em Pripyat, na Ucrânia, foi palco do pior acidente nuclear da história. Em 26 de abril de 1986, a explosão de um reator provocou um evento catastrófico que afetou diretamente a vida de milhares de pessoas. Os danos do desastre não foram totalmente calculados, mas especialistas acreditam que milhares de pessoas morreram e em torno de 70 mil sofreram contaminação radioativa. A tragédia teve até mesmo reflexos no Brasil.
Na época do acidente de Chernobyl, o Brasil foi apresentado ao Plano Cruzado, série de medidas econômicas implementadas pelo governo de José Sarney. Entre os pontos principais do plano estava o congelamento de preços para tentar conter a inflação. A iniciativa não deu certo e produtos começaram a faltar nas prateleiras dos supermercados. A crise de desabastecimento fez com que o governo importasse alimentos da Europa.
A contaminação por radioatividade após o acidente de Chernobyl não ficou restrita à Ucrânia. Altos níveis de radiação também foram registrados em países como França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Reino Unido e Polônia. Antes que se soubesse da gravidade da situação, o governo brasileiro lançou um edital para a compra de 43 mil toneladas de leite em pó e 2,5 mil toneladas de manteiga. A operação acabou sendo cancelada por temores de contaminação.
Leite radioativo à venda no Brasil
Depois disso, outro edital foi aberto, prevendo que mercadorias importadas da Europa deveriam vir obrigatoriamente acompanhadas de atestados oficiais garantindo que não estivessem contaminados por radiação. Mas uma reportagem publicada no jornal Estado de São Paulo revelou que parte do leite comprado da Irlanda apresentava níveis altos de radioatividade. Uma das empresas que participaram do edital forneceu ao governo 20 mil toneladas de leite em pó, sendo que 3 mil delas estavam contaminadas. Testes constataram que o índice de césio-137 presente nas amostras ultrapassava os encontrados em diversos países do Hemisfério Norte.
Apesar disso, uma resolução da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) permitiu que o produto chegasse aos supermercados brasileiros. Cerca de um mês depois da compra do leite em pó, o Brasil importou um lote de 100 mil toneladas de carne bovina e suína, sendo que parte desse produto vinha da Europa. Foi constatado que mais de sete mil toneladas estavam contaminadas com radiação. A mercadoria ficou estocada em frigoríficos de uma empresa de Canoas (RS). A comercialização do produto acabou sendo proibida após uma ação na Justiça.
Mesmo com o perigo de expor o público a produtos contaminados, um acordo entre os importadores e a Justiça previa a venda da carne sob determinadas condições (como a divulgação prévia dos pontos de venda e a presença de cartazes alertando os consumidores para a radioatividade). O acordo incluía o envio de lotes para o Rio de Janeiro e São Paulo, onde havia falta de carne. Mas a venda acabou sendo novamente barrada pela Justiça. Até o início dos anos 90 o produto ficou armazenado no Rio Grande do Sul. Acredita-se que a mercadoria tenha sido exportada em forma de embutidos para países do Caribe e da África. Em 2014, o frigorífico onde a carne ficou estocada foi condenado a pagar R$ 462 mil de indenização a um funcionário que teria apresentado diversos problemas de saúde devido à exposição à radiação.
Fonte: BBC
Imagens: Acervo Biblioteca Nacional