Historiador e policial antifascista comenta a longa trajetória do nazismo no Brasil
Apesar de ter uma das populações mais miscigenadas do mundo, o Brasil sempre foi um celeiro para o nazismo. A ideologia começou a conquistar simpatizantes no país ainda no final da década de 1920. Atualmente, estima-se que 300 células neonazistas estejam em atividade por aqui. Mas qual a origem desse movimento em terras brasileiras?
"As colônias alemãs e italianas foram centros de propagação do ideário nazista e fascista", diz Leonel Radde, policial civil antifascista, historiador e mestre em Direitos Humanos. "Inclusive o maior partido nazista fora da Alemanha era o brasileiro", completa. A versão brasileira do partido surgiu em 1928 na cidade de Timbó, no interior de Santa Catarina, cinco anos antes de Adolf Hitler se tornar chanceler da Alemanha. A legenda chegou a se espalhar por 17 estados, reunindo cerca de três mil filiados.
Antes de se juntar aos Aliados na Segunda Guerra Mundial, o Brasil manteve relações de amizade e cordialidade com a Alemanha nazista durante a década de 1930. Em 1933, o governo passou a emitir as chamadas "circulares secretas", que visavam dificultar, ou até mesmo impedir, a entrada no Brasil de judeus que fugiam do nazismo. "Havia uma simpatia por parte do governo Getúlio Vargas, que deportou diversos comunistas e judeus para a Alemanha. O caso da Olga Benário é o mais famoso", diz Radde.
Outro movimento que floresceu no Brasil na mesma época foi o integralismo. Radde salienta que os integralistas adaptaram o conceito fascista para o nosso país, focando no fator do nacionalismo. Liderado pelo escritor e jornalista brasileiro Plínio Salgado, o movimento tinha caráter ultranacionalista, corporativista e conservador. Em 1936, a Ação Integralista Brasileira reunia entre 600 mil e um milhão de membros. Recentemente, o movimento voltou a aparecer.
Após a derrota da Alemanha, muitos nazistas alemães fugiram para a América do Sul, incluindo o Brasil, como o "Anjo da Morte" Josef Mengele. Segundo Radde, depois do fim da Segunda Guerra, movimentos de extrema-direita nunca deixaram de existir no país e foram se modificando. "Nas décadas de 1970 e 1980, (os nazistas) começaram a se misturar com o movimento skinhead, surgido na Inglaterra, que era formado por operários que escutavam música jamaicana e que depois foi apropriado pela extrema-direita", conta Radde. No Brasil, dessa vertente se destacaram grupos como os Carecas do ABC, de São Paulo.
Dos grupos neonazistas atuais, a maioria está concentrada nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. De acordo com Radde, apesar de independentes, esses grupos se comunicam entre si, inclusive propagando o ideário de extrema-direita por meio da música. Segundo ele, fazem parte do movimento bandas escancaradamente neonazistas e outras que não usam simbologia tão explícita por receio de serem enquadradas no crime de apologia ao nazismo.
Alguns desses grupos têm vínculos com organizações similares de fora do Brasil, principalmente na América Latina. Radde diz que grupos neonazistas da Alemanha e de outros países europeus costumam rejeitar seus pares brasileiros porque eles não são de "raça pura". A exceção são grupos da Ucrânia, que se comunicam com alguns neonazistas brasileiros.
A presença online desses grupos é marcada pela propagação de conteúdos de apologia ao nazismo, como falas de Adolf Hitler. Fora da internet, eles costumam agir de forma violenta agredindo e perseguindo minorias. Em 2018, um trio de neonazistas foi condenado por atacar três judeus em Porto Alegre com golpes de facas e canivetes. Os agressores faziam parte de um grupo skinhead que prega ódio contra grupos étnicos e sociais, como judeus, negros, homossexuais e punks.
Pela lei brasileira, apologia ao nazismo é crime. Nem é necessário haver atos de violência ou incitação direta à violência para que o delito ocorra. O código penal prevê pena de reclusão de dois a cinco anos para quem "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo".
Estados como São Paulo e Rio de Janeiro contam com delegacias de repressão aos crimes raciais e delitos de intolerância. Esses órgãos são responsáveis por investigar casos que tenham como motivação crimes de ódio e discriminação, como racismo, injúria, xenofobia, homofobia e outros tipos de preconceito.
Imagens: Domínio Público/Divulgação, Wikimedia Commons, Biblioteca Pública de Santa Catarina e Polícia Civil de Santa Catarina