Seis motivos pelos quais a Idade das Trevas não foi tão sombria
O sábio italiano Petrarca cunhou a expressão “Idade das Trevas” nos anos 1330 para descrever o que ele considerava um declínio na qualidade da literatura da época em relação aos tempos dos antigos gregos e romanos. Mais tarde, o termo passou a abranger genericamente a suposta falta de avanços culturais na Europa desde a queda do Império Romano até o início dos chamados Renascimentos Medievais, período oficialmente conhecido como Primeira Idade Média (500-1000 d.C.). Mas historiadores – especialmente nos últimos anos – questionam se esse rótulo é justo e consideram “Idade das Trevas” um termo depreciativo. Na verdade, a vida na Primeira Idade Média não era tão sombria ou barbárica quando comparada a outros períodos e a época viu surgir mudanças políticas, culturais e econômicas.
[ASSISTA A REBELIÃO DOS BÁRBAROS. ESTREIA SEGUNDA (12/09), ÀS 22H40]
1 - O conceito de “Idade das Trevas” surgiu com estudiosos posteriores que tinham uma visão fortemente pró-Roma Antiga
Nos anos posteriores a 476 d.C., vários povos germânicos conquistaram o antigo Império Romano Ocidental (incluindo a Europa e o Norte da África), substituindo antigas tradições romanas pelos seus próprios costumes. A visão negativa da assim chamada “Idade das Trevas” se tornou popular em grande parte graças aos escritos da época (incluindo os textos de São Jerônimo e São Patrício, no Século V, Gregório de Tours, no Século VI, e Beda, no Século VIII), que tinham uma perspectiva Romana.
Se é verdade que inovações como o concreto romano foram perdidas e os índices de alfabetização não eram tão altos na Primeira Idade Média quanto na Roma Antiga, o conceito de “Idade das Trevas” veio de estudiosos como Petrarca, que viam a Grécia e a Roma Antiga como o auge da humanidade. Portanto, eles rejeitavam o período surgido depois, considerado por eles sombrio e caótico, sem o surgimento de grandes líderes e no qual não houve nenhum avanço científico nem produção de grande arte.
2 - A Igreja substituiu o Império Romano como a força mais poderosa da Europa, redefinindo a relação entre Estado e Igreja
Na ausência de Roma, a Europa na Primeira Idade Média sentia falta de um grande reino ou estrutura política que funcionasse como força centralizadora, a não ser em um breve período durante o reinado do Imperador Franco Carlos Magno (falaremos mais sobre isso depois). Ao invés disso, a Igreja medieval se tornou a instituição mais poderosa da Europa, graças em grande parte à ascensão do monasticismo, um movimento surgido com Santo Antônio do Egito e alcançaria sua maior influência na Alta Idade Média (1000-1300 d.C.).
Reis, rainhas e outros mandatários, durante o período inicial medieval, baseavam sua autoridade no relacionamento deles com a Igreja. A ascensão de um forte papado, que começou com Gregório, o Grande (papa de 590 até 604), significava que a os monarcas não podiam monopolizar o poder, diferentemente da época do Império Romano. Essa ideia de limitação no poder real continuaria durante a Alta Idade Média, influenciando marcos importantes como a Magna Carta e o nascimento do Parlamento Inglês.
3 - O crescimento do monasticismo teve importantes implicações para os futuros valores e atitudes ocidentais
O domínio da Igreja durante a Primeira Idade Média foi uma das maiores razões pela qual, mais tarde, estudiosos – especificamente aqueles da Reforma Protestante do século XVI e do Iluminismo nos séculos XVII e XVIII rotularam o período como “desiluminado” (outro modo de chamá-lo de sombrio), acreditando que o clero reprimiu o progresso intelectual em favor da piedade religiosa. Mas antigos mosteiros cristãos encorajavam a alfabetização e o aprendizado, e muitos monges medievais foram artistas ou patronos das artes.
Um monge particularmente influente na Primeira Idade Média foi Bento de Núrsia (480-543), que fundou o grande monastério de Monte Cassino. Sua Regra de São Bento – um tipo de constituição escrita embasando os padrões para o mosteiro e a congregação, limitando a autoridade do abade de acordo com esses padrões – se espalhou pela Europa, eventualmente se tornando o modelo para a maioria dos mosteiros ocidentais. Finalmente, a insistência de São Bento de que “a ociosidade é inimiga da alma” e sua regra de que monges devem se dedicar tanto aos trabalhos manuais quanto ao intelecto e ao espírito antecipou em séculos a famosa ética de trabalho protestante.
4 - Houve um boom na agricultura durante a Primeira Idade Média
Antes da Primeira Idade Média, a prosperidade da agricultura era amplamente limitada ao sul, onde o solo arenoso, seco e solto era propício para os primeiros arados. Mas a invenção de arados pesados, que conseguiam revirar o solo mais fértil encontrado mais ao fundo dos terrenos, iria estimular a agricultura do norte da Europa por volta do século X. Outra inovação-chave do período foi a cabeçada para cavalo, acessório usado no pescoço e ombros do animal para distribuir o peso e protegê-lo quando estiver puxando um arado ou uma carroça. Os cavalos se mostraram muito mais poderosos e eficazes do que bois, e esse acessório iria revolucionar a agricultura e o transporte. O uso de ferraduras de metal também se tornou prática comum por volta do ano 1000 D.C.
Cientistas também acreditam na ocorrência de um fenômeno conhecido como Período do Aquecimento Medieval, que teria ocorrido entre os anos 900 e 1300. Nessa época, o mundo teria passado por temperaturas relativamente quentes. Isso teria causado um impacto maior principalmente no hemisfério norte, se estendendo desde a Groenlândia até a Europa continental. A combinação de avanços importantes na tecnologia agrícola com o clima bom parece ter sido o combustível para esse boom na agricultura da época.
5 - Grandes avanços ocorreram na ciência e matemática – no mundo islâmico
Entre os mitos mais populares a respeito da “Idade das Trevas” está a ideia de que a Igreja cristã medieval teria sufocado o ímpeto natural dos cientistas, proibindo procedimentos como autópsias e dissecações, basicamente impedindo todo o avanço científico. Evidências históricas não corroboram essa ideia: o progresso pode ter sido mais lento na Europa ocidental na Primeira Idade Média, mas foi contínuo e estabeleceu as bases para avanços que ocorreram em períodos medievais posteriores.
Ao mesmo tempo, o mundo islâmico deu um salto em matemática e nas ciências, partindo do conhecimento adquirido de textos da Grécia antiga e de outros documentos traduzidos para o árabe. A tradução para o latim do “Livro da Restauração e do Balanceamento”, escrito por al-Khwarizmi, astrônomo e matemático persa do século IX, apresentaria a álgebra para a Europa, inclusive a primeira solução sistemática para equações lineares e quadráticas: a versão em latim do nome al-Khwarizmi nos deu a palavra “algarismo”.
6 - A Renascença Carolíngia viu florescer as artes, literatura, arquitetura e outras áreas culturais
Carlos, filho de Pepino, o Breve, herdou o reino Franco com seu irmão Carlomano quando Pepino morreu em 768. Carlomano morreu muitos anos depois, e aos 29 anos Carlos assumiu totalmente o controle, começando seu reino histórico como Carlos Magno. Por meio de mais de 50 campanhas militares, suas forças enfrentaram muçulmanos na Espanha, bávaros e saxões no norte da Alemanha e lombardos na Itália, expandindo exponencialmente o império Franco. Como representante da primeira tribo germânica a praticar o catolicismo, Carlos Magno levou muito a sério sua missão de propagar a fé. No ano 800, o papa Leão III corou Carlos Magno como “imperador dos Romanos”, título que eventualmente evoluiu para Sagrado Imperador Romano.
Carlos Magno trabalhou duro para fazer jus a essa distinção imponente, construindo um estado fortemente centralizado, incentivando o renascimento do estilo de arquitetura romano, promovendo reforma educacional e garantindo a preservação de textos clássicos em latim. Um avanço fundamental do reinado de Carlos Magno foi a introdução da forma de escrita manual conhecida como minúscula carolíngia. Com inovações como pontuação, maiúsculas e minúsculas e espaçamento entre as palavras, ela revolucionou a leitura e a escrita, facilitando a produção de livros e outros documentos. Apesar de a dinastia Carolíngia ter se dissolvido no fim do século IX (Carlos Magno morreu em 814), seu legado – incluindo livros, escolas, currículos e técnicas de ensino – serviria de base para o Renascimento e outras renovações culturais.
FONTE:Sarah Pruitt