Samba é música de bandido?
Por Thiago Gomide do Tá na História
Parceria HISTORY e Tá Na História
Quando alguém fala que o samba é música de bandido, automaticamente atira na nossa origem negra.
Milhões de pessoas escravizadas chegaram ao Rio de Janeiro, no Cais do Valongo, que era o porto de entrada para as Américas. Isso durante séculos.
Os negros africanos, além de suas dores, carregavam seus ritos e seus sons.
O samba é a consequência e a resistência dessas misturas.
Quando fala que o samba é música de bandido, automaticamente reforça o preconceito secular vivido até hoje.
Tia Ciata, mãe de santo, teve que enfrentar uma barra pesadíssima para o samba se desenvolver. Em sua casa, na Pequena África, região da Praça Onze, no Rio de Janeiro, além do candomblé, também perseguido, rolavam as rodas de samba.
A polícia batia sempre. Tentava de tudo que é jeito acabar com aquilo. O som tinha que ser baixo. O samba teve que lutar.
Estamos no começo do século XX.
Na casa da baiana Tia Ciata, o primeiro samba foi concebido: “Pelo Telefone”, do Donga e Mauro de Almeida.
Outro exemplo de perseguição: João da Baiana teve seu pandeiro apreendido pela polícia um milhão de vezes. Só conseguiu ter tranquilidade quando o Senador Pinheiro Machado, que mandava em tudo na primeira república, assinou o pandeiro.
Quando alguém fala que o samba é coisa de bandido, atira nas resistências políticas.
Quando alguém fala que o samba é coisa de bandido, esquece das resistências sociais do ritmo e do quanto ele foi e é importante para denunciar diferenças.
Durante o regime militar, Opinião, do mestre Zé Keti, foi hino de contestação e de exaltação às favelas, sempre vítimas de preconceito.
O carioca Candeia compôs o samba Dia de Graça, na década de 1970, uma convocação aos negros se valorizarem.
O samba já foi motivo de inspiração para Candido Portinari, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral e, claro, Heitor dos Prazeres.
Quando alguém fala que samba é música de bandido, automaticamente atira no Donga, no Candeia, no Cartola, na Dona Ivone Lara, no Martinho da Vila, na tia Ciata, no Diogo Nogueira, na Leci Brandão, no Zeca Pagodinho, no Arlindo Cruz...e em outras milhões de pessoas que se inspiram no ritmo.
Os versos do querido Nelson Sargento respondem ao ataque com poesia: “Samba, agoniza mas não morre/ Alguém sempre te socorre / Antes do suspiro derradeiro / Samba / Negro, forte, destemido/ Foi duramente perseguido / Na esquina, no botequim, no terreiro”
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Foto: Shutterstock.com
THIAGO GOMIDE é jornalista e pesquisador. Foi apresentador e editor do Canal Futura e da MultiRio, ambos dedicados à educação. Escreveu e dirigiu o documentário "O Acre em uma mesa de negociação". Além de ser o responsável pelo conteúdo do Tá na História, atualmente edita e apresenta o programa A Rede, na Rádio Roquette Pinto ( 94,1 FM - RJ).
A proposta do Tá na História é oferecer conteúdos que promovam conhecimento sobre personagens e fatos históricos, principalmente do Brasil. Tudo isso, claro, com bom humor e muita curiosidade.